sábado, junho 17, 2006

17 Junho 2006 - Fim-de-semana
















Desta vez só aparecem quatro voluntários para o trabalho da manhã de sábado, mas não esperava muitos mais, porque eu ontem apenas disse a alguns que iria continuar com a taipa hoje de manhã, e disse-o já no final do dia, quando outros tinham já ido para casa, de fim-de-semana. Mas ainda bem, porque dos quatro que aparecem, três são dos melhores alunos, e daqueles em que eu deposito mais esperanças. E assim, podemos fazer tudo com mais calma, desde a montagem do taipal à mistura, à compactação e à descofragem e rotação do taipal para nova montagem, de modo a que eles fiquem com uma noção muito mais sólida. Isto também tem um bom efeito secundário, que é eu poder ter uns alunos de confiança com conhecimentos mais sólidos que possam assumir o comando das operações em cada uma das frentes, já que na próxima semana vamos começar a dividir a turma em duas equipas que produzirão, de forma alternada e rotativa, taipa na obra e BTC no armazém, em pontos distantes. E como, apesar de todos os dias (sem excepção…!) ouvir três ou quatro vezes alguém chamar-me Šikwembu (Jesus) quando vou a passar, ainda não consigo estar em todo o lado ao mesmo tempo, vem mesmo a calhar algum apoio dos próprios alunos que me deixe tranquilo sobre o que se está a passar.
Mas a jornada é muito pouco produtiva, porque eu estive a trabalhar sozinho desde as 7h30, e só às 10h30 aparecem esses alunos, ainda por cima com uma ressaca monstra (babalaza), dos copos que bebemos ontem. Eu não sei se é por não terem dinheiro para os copos e, por isso, não estarem habituados a beber, ou se é por andarem subnutridos, ou se é por outra razão qualquer, mas quando bebo umas Laurentinas com os meus alunos, eles ficam kaut no início da segunda cerveja, e de ressaca no dia seguinte. Convenhamos que as Laurentinas que por aqui se bebe são de 550ml, mas ainda assim, temos de refrear a boémia etílica, sob pena de um dia destes algum dos alunos desmaiar para dentro do taipal e outro continuar a pilar, sem dar por nada, e o primeiro desaparecer para sempre, sem ninguém saber onde está e toda a gente ficar pensar “Olha, este taipal foi mais rápido a fazer…!”
Antes da sua partida definitiva, a Francisca experimenta finalmente, após toda a expectativa que criou, bater um pouco de taipa. Como toda a gente que nunca tinha pegado num pilão, a conclusão é sumária: “Isto é duro!”
Rumo a Maputo, descubro na bomba de gasolina que Portugal ainda está empatado a zero com o Irão, e não há maneira de conseguir chegar ao Núcleo de Artes, onde vou ver o resto do jogo, porque ando às voltas pelas ruelas de Maputo, na carrinha das irmãs, com o condutor de serviço, o Cremildo, a conduzir na sua placidez aparente, apenas quebrada quando mostra que acredita que todos os problemas do universo poderão ser resolvidos a partir do seu lugar de condutor com uso da buzina da carrinha, com a Francisca entre a sonolência pós festa de despedida da véspera e a nostalgia da partida (é que isto pega-se à pele e deve ser difícil sair de cá…! deixa ver em Agosto, quando for eu…), o Manuel (engº agrónomo que desenvolve um outro projecto no bairro), e uma das freiras que insiste em querer parar em todas as barraquinhas do caminho, porque alguém lhe pediu um sumo de uma coisa qualquer que ela não sabe o que é, mas que parece lixa…
Depois do jogo e de ter aterrado numa festa de despedida de solteiro de alguém que conhecia alguém que era amigo de alguém que eu acho que conhecia, fomos à Jam Session do Gil Vicente, onde pude tocar com um cantor que lá estava com a sua banda e que, segundo vim a saber, é uma lenda do blues por estes lados – o João Paulo. A personagem é, realmente, de carisma forte. Visualmente é uma espécie de Terence Trent D’Arby, em versão junky-cinquentão, e a pose, a interpretação e a voz são, de facto, de grande qualidade, assim como os bons músicos do resto da banda (que groove, aquele baixista!!). Depois de um pedido ao balcão, eis que o baterista (o organizador da sessão de jam) anuncia ao microfone que “parece que há por aí alguém que quer tocar uma música connosco, que é um tal de Mocho” (culpa da comitiva da tal festa onde eu estava), e eu lá saco da harmónica do bolso e foi blues por ali. Foi um sucesso, e já me fazia muita falta tocar um bocadinho – as únicas vezes que fiz o gosto ao dedo foi com a guitarra clássica das freiras, em Mumemo, com o Juan, um voluntário galego que toca flauta transversal, a tocar axeitame a polainiña e outras celtices de improviso. Agora, o blues é o blues! E então se houver electricidade…!
No final da noite, o internacional João Paulo (que parece que já tocou por todo o lado aqui e por fora) convidou-me para tocar com ele, num concerto que tinha na quarta-feira seguinte, mas disse-lhe que, estando a trabalhar todos os dias às 7h30 da manhã, longe de Maputo, sem transportes e a ter de ter a cabeça fresca para dar aulas e poder tomar conta dos acontecimentos, só mesmo se nos encontrássemos de novo a um sábado, para uma nova jam. Será que desperdicei uma promissora carreira como músico mulungo numa mulandi blues band em Moçambique?
A Francisca ficou com fotos do acontecimento, mas não tornei a encontrá-la, por isso prometo que porei aqui algumas imagens assim que as tiver.
Depois da aventura musical, mais uma aventura antropológica, com nova descida aos infernos impuros de Maputo, na zona da baixa. Afinal os filmes não exageram assim tanto…

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