quarta-feira, junho 14, 2006

14 Junho 2006 - Dia 28













































































Como houve um desequilíbrio de esforços, entre os alunos, na tarde dura de ontem, achei por bem dispensar os que ficaram ontem até tarde das aulas do início da manhã, até às 9h.
A essa hora, começo uma curta e incisiva aula teórica sobre a produção de BTC e sobre a formação de uma linha de montagem e todo o factor de produtividade, de desempenho e de controlo de qualidade, após o que realizamos uma primeira série de experiências de produção de blocos, para adaptação à prensa e para definição de volume de terra a utilizar. O objectivo da produção de BTC é mecanizar e tornar repetitivos, tanto quanto possível, os movimentos, os tempos e as quantidades, de forma a encontrar a forma mais produtiva, menos cansativa e menos propícia a erros, garantindo uma economia de material e recursos e uma optimização de qualidade e quantidade de produção. Ou seja, perde-se um dia inteiro, ou até mais, a fazer testes e a esquematizar métodos de trabalho, um pouco à semelhança de um treinador de um qualquer desporto de equipa, e depois está tudo a funcionar como um relógio, garantindo o rendimento máximo e o esforço mínimo. A articulação entre os tempos e os locais de preparação da terra, de mistura a seco e a húmido, de prensagem e de armazenamento para cura seca e cura húmida propicia diagramas com aspecto de verdadeiro gráfico de estratégia militar de invasão ou defesa de um território, com todos os percursos esquematizados e todas as acções interrelacionadas. Confesso que a minha veia racionalista se delicia com estas manobras. O facto de se tratar de trabalhar com terra, enche-me as medidas no que toca à emoção.
Mas, mais uma vez, o improviso surge porque a balança que eu tinha pedido, ainda em Lisboa, e que serviria para pesar os blocos, apesar de vir anunciada por uma senhora asiática de aspecto bastante simpático, não pesa nada que exceda os 3kg. Ora, como cada bloco deve rondar os 10kg, a coisa não fica fácil. Começo a sentir-me uma espécie de MacGiver (ao ponto a que se chega…) e esgalho uma maneira “alternativa” de definir o teor optimal de água. Como o princípio é o de encontrar a densidade máxima conseguida num bloco e essa densidade tem a ver com peso, lembro-me daquela adivinha de como descobrir uma moeda falsa, mais leve do que as outras, no meio de outras oito, apenas com duas pesagens numa balança de pratos – pesa-se um grupo de três moedas em cada prato; assim descobre-se o grupo de três em que está a moeda mais leve (será o grupo mais leve ou, se os dois forem de igual peso, será o que ficou de fora da balança); pega-se, em seguida, nesse grupo mais leve e procede-se ao mesmo exercício, mas apenas com uma moeda em cada prato e, ou é uma dessas, ou é a que está de fora. Então, com base nesta adivinha para crianças, resolvo improvisar uma balança de pratos – com dois baldes, um cabo de uma enxada, dois pedaços de corda e uma estrutura de um jipe descapotável, que estava lá para um canto do armazém – para ir comparando, dois a dois, os vários blocos produzidos, para encontrar o mais pesado de todos. Esse será o mais denso e, consequentemente, aquele que tem o teor de água optimal – que eu anotei previamente, claro…! Arcaico, mas resulta.
A minha estadia aqui e o trabalho que aqui tenho desenvolvido tem tido momentos difíceis (apesar de nunca, nem por um só momento, ter perdido o ânimo e a vontade), momentos mais tranquilos, e alguns pontos altos, de grande significado para mim. Um desses pontos altos, muito gratificante, foi quando o primeiro bloco de todos saiu da prensa: eu observei-o e disse que não estava bom, e disse para o partirem e deitarem a terra de volta para o monte, até porque estávamos apenas a definir volumes de carga do molde, sem ter adicionado cimento à terra, para não desperdiçar. Nesse preciso momento, todos os alunos arregalaram os olhos, soltaram um “o quê?!”, e um deles pegou no bloco e virou-se de costas para mim, protegendo o primeiro bloco da sua vida, e todos o quiseram guardar num canto, a salvo da minha insensibilidade… Concordei com a opção romântica, sorri por fora, e fiquei absolutamente deliciado por dentro!
Tal como previa, o BTC terá uma grande aceitação. Pois se até em Portugal, a generalidade das pessoas prefere todo o tipo de materiais que têm um aspecto mais industrializado e mais estandardizado, associando essas aparências a vantagens de desempenho, o que fará uma realidade como a africana.
De resto, e ao contrário da opinião erroneamente generalizada, é exclusivamente por essa razão que as acções da equipa com quem estudei, o CRATerre, em África e em outros locais do terceiro mundo se apoiam na construção com BTC, quando eles próprios sempre foram grandes admiradores da taipa – técnica que, aliás, domina absolutamente a região de França onde esta escola/laboratório se situa.
Em primeiro lugar, é infinitamente mais fácil conseguir que as populações “aceitem” a construção em terra se ela lhes for apresentada através de um produto sofisticado como o BTC (se tiver uma máquina, melhor ainda!).
Em segundo lugar, a facilidade de execução (produção e aplicação) é incrivelmente superior à de outras técnicas, sobretudo quando se compara com a taipa, por exemplo, e requer uma formação muitíssimo menor e menos especializada.Depois, o BTC tem uma aplicação em obra que as populações geralmente já dominam – em todo o lado do mundo se utiliza blocos de betão ou tijolo cerâmico para construir, e isso transmite conhecimentos comuns a toda a construção em alvenaria, incluindo noções de aparelho. É só adaptar alguns aspectos e reutilizar um saber adquirido. (Claro que isto também é válido para o adobe, por exemplo).

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