sábado, junho 03, 2006

03 Junho 2006 - Fim-de-semana














Foto: Francisca Baptista da Silva




















Foto: Francisca Baptista da Silva













Foto: Sara Machado da Graça

Para meu espanto, sensibilização e descargo de consciência pela rigidez da minha reacção à avaliação de ontem, aparecem voluntariamente 11 dos 13 alunos, todos pelas 7h30 da manhã!!
Conversando com alguns dos alunos, dizem-me que se sentem com responsabilidade de aprender, para respeitarem o empenho que sentem da minha parte ao longo de todo este tempo, o que me reconforta.
Como o dia é fora do âmbito do curso, hoje esqueço um pouco o papel de professor e agarro nas ferramentas com eles – coisa que tenho sempre feito, mas em pequena intensidade, simplesmente porque é quase impossível estar a ensinar e a controlar se tudo está a correr bem e a ser feito em condições, e ainda estar a trabalhar ao mesmo tempo. Aliás, tenho sempre insistido com os encarregados de obra diários para não pegarem em pás nem trabalharem com as mãos, porque precisam de estar em todo o lado, a coordenar e a verificar o andamento e qualidade dos trabalhos, e não podem estar parados num sítio, desatentos porque estão agarrados a uma pá a fazer argamassa…
O dia corre com um óptimo espírito entre os doze, e elogio o trabalho deles ao final da manhã, o que os deixa contentes e animados.
Depois de almoço, após o passeio pelo skype, para dar os parabéns ao Benjamim da família – que fez com que eu deixasse de ser o mais novo há uns bons anos atrás neste dia – nova investida ao Índico, na Macaneta, a convite da Sara. Convidamos outros parceiros do hemisfério norte que andam por cá em missões de mudar o mundo aos poucos e alguns dos alunos do curso para se juntarem a nós e vamos até à praia. Noitada agradável entre amigos e alvorada matutina, com um belo mergulho pelas 7h00, com vento e temperatura baixa, mas com um mar tépido, que não apetece largar.
Cada vez mais me parecem redutoras as inúmeras opiniões que fui colhendo, em Portugal e por aqui, de brancos que conhecem este país, sobre a impossibilidade de transpor uma barreira virtual entre os moçambicanos mulandi (negros) e os mulungo (brancos).
A proximidade que conquistei de alguns dos meus alunos é absolutamente pura, mais descontraída e inocente do que muitas que conheço em terras lá da Lusitânia, e contraria em absoluto essa teoria. Parece-me mais que isso depende do mulungo em questão e da forma como estamos dispostos a estar por cá. E, claro, de alguma sorte, magia, zivuri ou o que se quiser chamar… Desde o início que tenho vindo a ter essa sensação, mas agora, um mês (muito intenso) depois, isso transforma-se em convicção.

sexta-feira, junho 02, 2006

02 Junho 2006 - Dia 20

Dia de teste oral!
O nível de conhecimentos adquiridos que a esmagadora maioria dos alunos demonstra é desanimador, porque as questões colocadas são de uma simplicidade ridícula…
Ainda assim, alguns não sabem o básico dos básicos do que foi ensinado, o que me faz, pela primeira vez desde que cheguei, ponderar sobre a real consequência deste curso.
Eu faço perguntas gerais, puxando mais pelos alunos que me parecem mais promissores e limitando-me ao básico com os outros, e a Patrícia, no final de cada sessão de perguntas, faz duas perguntas sobre HST (Higiene e Segurança no Trabalho).
Para não criarmos ambientes constrangedores ou intimidativos, resolvemos dividir os alunos em grupos de 3, por ordem alfabética, e questionar apenas um grupo de cada vez.
Logo por azar, a Laura Gonçalves Pereira – responsável da ONG promotora do curso, a APOIAR – aparece para ver o “exame” no último grupo, que é de longe o mais fraco (e aqui a palavra fraco ganha uma outra força…)
No final, temos uma conversa, entre a turma toda, e tento chamá-los à responsabilidade, prevenindo-os para o baixíssimo nível geral e para a responsabilidade que é, para nós, passarmos um certificado que ateste que um aluno sabe construir. Nesse sentido, friso bem que quem não souber um mínimo sobre tudo o que aqui aprendemos não poderá receber um certificado.
O ambiente fica pesado, mas duas coisas inesperadas estão para acontecer:
Durante o almoço, a irmã Susana (a freira hierarquicamente responsável pelo bairro) anuncia que decidiram construir casas para as crianças vítimas de HIV – que são imensas, quer as portadoras quer as órfãs de vítimas de sida – e que quem construirá essas casas será uma equipa formada pelos melhores aluno do nosso curso, com o devido pagamento pelos trabalhos. Fico radiante com a notícia, e pergunto se posso anunciá-la aos alunos nessa mesma tarde. Perante a anuência da irmã Susana, transmito a óptima notícia logo no início da aula da tarde, mas a reacção é contida. Penso que os alunos conversaram entre eles ao almoço e que estão um pouco alarmados com a percepção de que podem não ter certificado se não se esforçarem e, ao mesmo tempo, sentem-se algo culpabilizados pela minha “decepção” com o nível de conhecimentos que apresentaram.
A segunda coisa algo inesperada que aconteceu foi a qualidade, o brio e a tranquilidade dos trabalhos da tarde. Os elementos mais destabilizadores estavam concentrados e sem importunarem o decurso das aulas, e todos se esforçaram e se concentraram em fazer o melhor possível. Teria sido pela conversa da manhã, ou pelo anúncio da possibilidade de trabalho apenas para os melhores alunos…? Em todo o caso, foi um dos melhores períodos de trabalho até ao momento!
Continuamos com a execução da barreira anti-térmitas, com cofragem.
Como a cofragem não pode ser logo retirada, como ainda falta um troço para terminar e como queremos aproveitar o fim-de-semana para deixar tudo a secar, digo aos alunos que estarei na obra na manhã de sábado, à hora do costume (7h30), para terminar os trabalhos de betão e que, quem quiser, pode vir ajudar-me, mas que ninguém é obrigado, por se tratar de “horas extraordinárias”, extracurriculares.

quinta-feira, junho 01, 2006

01 Junho 2006 - Dia 19















Foto: Patrícia Bruno



















Foto: Patrícia Bruno
















O capacete branco deve ter tido um efeito de megalomania nalguns, porque o encarregado de hoje, que é o aluno mais indisciplinado, ausente e medíocre de todo o grupo, apareceu de casaco e gravata…!! As noções empíricas de pedagogia que tenho dizem-me que não me devo rir disso, mas como se torna difícil, prefiro fazer um comentário enaltecedor, brincalhão, para poder legitimar um sorriso que esconde uma enorme gargalhada. Toda a turma graceja com a cerimónia do encarregado, mas ele sente-se importante com a ocasião e a indumentária!
Excepto em raros casos, a expectativa de ser o encarregado do dia produz uma ansiedade que tem mais a ver com o poder de dar ordens e de mandar nos outros, do que com a oportunidade de aprender algo.
Mas, quanto mais ansiosos estão de poder, mais perdidos ficam quando lá chegam e eu não os largo a exigir que organizem os trabalhos, que distribuam tarefas, que controlem a qualidade dos trabalhos, que contabilizem recursos, etc.
E, se antes estão ansiosos por serem encarregados, durante a jornada em que o são ficam um pouco perdidos por se aperceberem da imensidão do trabalho de controlar e dirigir tudo e todos, e depois de findo o trabalho desabafam que é muito mais difícil trabalhar com a cabeça do que com a força de braços.
Mas esta experiência tem dado bons resultados, sobretudo porque todos os alunos, um a um, se têm apercebido da totalidade do trabalho, ao terem de o gerir, ao passo que, nos dias em que são simples operários, basta-lhes seguirem ordens e, muito facilmente, podem não fazer bem ideia do que se está a passar na realidade. E nota-se uma diferença de atitude em cada um deles, entre o antes e o depois do dia em que são encarregados.
Hoje passou-se o dia a tentar resolver, de uma vez por todas, o nivelamento e a largura do embasamento, para receber a taipa em condições.
A inexperiência dos alunos levou a erros que deixei acontecer, alguns por impossibilidade de os impedir a tempo mas, a maior parte, para que percebam, “na pele”, a dimensão e as consequências de pequenos erros ou descuidos iniciais.
Assim, por causa de uma certa displicência na execução do murete de embasamento, os alunos tiveram já imenso trabalho acrescido, na correcção e compensação de erros cometidos. Mas agora não podemos perder mais tempo, e assumo integralmente as operações, de forma a resolver todos os problemas, interrompendo o ciclo de encarregados de obra e definindo minuciosamente os trabalhos e a sua execução.
Hoje foi a vez de executar um último capeamento do muro de embasamento, para garantir os 40cm de largura que a taipa terá e para nivelar o topo, que tem um desnível de cerca de 5% entre os dois lados menores do rectângulo exterior da planta.
Para isso, colocámos de novo as estacas de nível e marcámos o alinhamento do topo do embasamento. Depois executámos a tal barreira anti-térmitas, que também serviu de camada de nivelamento e regularização da espessura, em betão com tela de impermeabilização (manga plástica corrente) e armadura (rede de galinheiro). Para evitar possíveis erros de execução, esta camada será executada com uso de cofragem.
Para isso, começamos por cortar um varão de obra para dobrarmos em seguida e temos, assim, os grampos de fixação das cofragens. O resto – apoios, distanciadores, etc. – é improvisado, mas o resultado é rápido e satisfatório.

quarta-feira, maio 31, 2006

31 Maio 2006 - Dia 18

Como o curso está numa fase de transição – a conclusão da fase de fundações e embasamento e a passagem para a taipa, os BTC e os assuntos de terra propriamente ditos – achámos por bem fazer um ponto de situação. Para que os alunos tenham algum tipo de empenho, resolvemos fazer uma espécie de avaliação oral na próxima sexta-feira. Pela manhã anunciamos isso e, depois de termos concluído o massame do dia anterior, passamos a tarde numa aula de revisões e de esclarecimento de dúvidas.
Já se vê que o resumo de tudo o que se passou nessa aula de dúvidas foi:
- Toda a gente percebeu?
- Sim.
- Ninguém tem dúvidas?
- Sim.
Foi uma longa tarde…

terça-feira, maio 30, 2006

30 Maio 2006 - Dia 17












































































































































Logo pela manhã, mais uma situação de alegria generalizada, com a entrega, não anunciada, de um capacete de obra a cada um, que ontem comprara em Maputo.
Depois de termos inserido a questão da Higiene e Segurança no Trabalho neste curso, pareceu-nos adequado reforçar essa questão com a compra de um capacete amarelo (operário) para cada um e de um branco (técnico) para o encarregado, que é cada um dos alunos, em sistema rotativo diário.
A satisfação é geral, e todos os alunos colocam os capacetes de imediato, exibindo-os com orgulho, e gostariam de os levar para casa todos os dias e fins-de-semana inclusive, se fosse possível.
Como a prensa de BTC tarda em chegar, avançamos para um trabalho que estava previsto ser posterior à taipa, que é o de execução do enrocamento e massame do piso interior.
Removemos todas as raízes que sobreviveram à operação-fundações, humedecemos e compactamos a areia do terreno, colocamos e compactamos uma camada de 10cm terra vermelha – a mesma que vamos utilizar na taipa – depois um enrocamento, também com 10cm e, finalmente, um massame de regularização com 5cm e traço 1:2:5 (os 5 são 3 de gravilha e 2 de desperdício de blocos de betão). Por cima deste massame será, no final, executada uma betonilha afagada de acabamento.
Todo o nivelamento destas camadas foi marcado com uso de fio de giz, que os alunos desconheciam totalmente. Quando os ensinei a usá-lo, pareciam estar perante a descoberta de um produto milagroso, com todos a quererem experimentar o novo “brinquedo”.
Entretanto, ficou definido que o encarregado de obra terá de passar a fazer a ficha diária de obra, coisa que parece agradar e estar ao alcance de poucos, para desespero da Patrícia, que lhes deu a aula dessa matéria e que tenta explicar ao encarregado do dia os requisitos e as razões e vantagens do correcto preenchimento da dita ficha.
Apesar da enfatização da questão da HST, com a entrega dos capacetes, a questão das botas de biqueira de aço, (ou até de qualquer calçado!) está muito longe de ser uma conquista. Chinelos de borracha são o calçado mais sofisticado da maior parte dos alunos, havendo, inclusivamente, aqueles que os tiram para trabalharem, para não os estragarem…

segunda-feira, maio 29, 2006

29 Maio 2006 - Dia 16
















































O dia começa com a rectificação de todos os nomes completos para a lista de refeições no Centro de Lazer, que terão início já nesta quinta-feira, dia 1 de Junho. A pronunciação de alguns apelidos não é fácil, mas os Natou, Massingue, Nhazilo, Chichua, Zanamele, Manjante, Mulungo, Matsinhe, Savaio, Timba, Machava e Rungo lá ficam registados sem erros, com o auxílio de todos, por entre risos dos alunos perante os meus erros de ortografia e de compreensão da fonética particular do Ronga e Xangana, tão evidentes para eles…
Nessa manhã terminamos, finalmente, o embasamento do edifício, com a tal camada de betão ciclópico.
Em seguida deito-me ao desenrascanço habitual, e apanho boleia na caixa aberta de um camião de areia para ir a Maputo tentar arranjar tudo o que é necessário para continuar a obra – tábuas de cofragem, varões de armadura, bidões e algumas pequenas ferramentas. Forma bizarra de comprar material para uma obra, mas é a única de seguir em frente.