quinta-feira, maio 18, 2006

18 Maio 2006 - Dia 08
















Para coroar o espírito de equipa, começo o dia por lhes oferecer um par de luvas a cada um, que a Teresa tinha comprado na sua ida a Maputo, ontem, para adquirir material e ferramentas em falta e para ir ao aeroporto receber a Patrícia, que chegou de Lisboa para participar neste projecto durante os próximos dois meses.
A logística para fazer funcionar este curso está quase inteiramente a nosso cargo, e temos mesmo de nos desdobrar para conseguirmos arranjar todo o material, para que os operários da carpintaria nos construam os moldes para os adobes e os taipais, para que chegue o cimento e a areia, etc, etc, etc. Tudo isto enquanto damos as aulas, afinamos o projecto, fazemos as medições para compra de material e preparamos o curso diariamente, adaptado à realidade que aqui encontrámos e às circunstâncias do dia a dia.
De facto, se não estivéssemos cá sempre dois, isto seria mesmo muito complicado de fazer…!
Os alunos deliram com as luvas e, após escreverem o nome nelas, posam vaidosos para a foto de grupo.
Em seguida damos início ao que, provavelmente, será o dia mais duro de toda a obra – fazer a viga de fundação em betão armado. Claro que nem pensar em betoneira ou qualquer outra maquinaria. Tudo é feito à mão, e a electricidade nem existe na obra. Daí que preparar cerca de 13 metros cúbicos de betão, com pás e baldes, tendo a necessidade de acabar tudo nesse dia (para que a presa do betão se dê homogeneamente e a viga fique mais sólida) seja obra! O betão é transportado em carrinhos de mão e despejado, e é “vibrado” espetando-lhe a pá.
Alguns desanimam um pouco, mas mantêm presente que este será o dia mais duro de todos e que, depois de ultrapassado, ficarão autores de uma bela obra – que já se gaba, aqui pelo bairro, entre os pedreiros (chamemos-lhes isso, apesar de ser um enorme elogio…) de outras obras aqui em curso.
Conseguimos acabar…!
Mas o dia, para mim, ficou marcado porque descobri que a esmagadora maioria dos alunos só come uma vez por dia, ao jantar – e, muitas vezes, esse jantar é farinha de mandioca…
Descobri-o porque os alunos estavam com muito fraco rendimento no trabalho e, com a dureza do dia, tinha muitos agarrados à barriga a dizerem que tinham fome e que não tinham forças. Aí propus que terminássemos a parte da manhã mais cedo para irem almoçar e que regressassem mais cedo para a sessão da tarde, mas disseram que preferiam continuar sem parar, para saírem para casa mais cedo, ao final do dia, porque não valia a pena pararem para almoçar, porque nessa pausas costumam apenas ficar por ali, porque muitos não têm nada em casa para comer…
Depois de me sentir desconfortável ao almoço, a comer o frango do costume que por cá se prepara e que, neste dia, achei uma requintada delícia, senti-me ainda pior ao estar a exigir a “putos” famintos e sem moral que trabalhassem bem, porque tínhamos de acabar ainda hoje…!
Achei que a situação era inadmissível, e tratei logo de ver o que se podia fazer.
A Francisca – uma voluntária que está cá a trabalhar com as muitas crianças do bairro – disse-me que os alunos da escola profissional de cá podem comer no Centro de Lazer por 350 contos (350.000 meticais – equivalente a pouco mais de 10€) por mês cada, com direito a “mata-bicho” (pequeno almoço), almoço e jantar todos os dias de semana.
Falei com a Teresa Beirão, que imediatamente concordou comigo, e decidimos expor o assunto à ONG APOIAR (que promove e financia este curso) no sentido de que alguma verba destinada ao curso seja canalizada para a alimentação dos alunos. Ao fim e ao cabo, estamos também a utilizar a mão-de-obra deles para uma obra que ficará para usufruto do bairro.
E estamos a falar de doze alunos, portanto cerca de 125€ por mês, para alimentar todos eles, com três refeições por dia! Não me parece sequer discutível. Mas vamos ver o que dizem…

1 comentário:

Anónimo disse...

É realmente impressionante o que algumas pessoas passam com a fome... É bom que os dos países desafogados não ignorem isto. Obrigada pela divulgação!