sábado, maio 27, 2006

27 Maio 2006 - Dia 15








A longa ausência dos meus relatos quotidianos e a consequente estagnação deste blog devem-se não a ocorrências menos saudáveis na minha visita aos supostamente perigosos subúrbios de Maputo, mas antes a uma sobrecarga tremenda de trabalho nos últimos tempos, aliada a um fenómeno estranho que, de facto, não consigo traduzir por palavras, mas que tem muito a ver com a minha “expedição ao território proibido”.
Não vou, sequer, tentar descrever o que tive o privilégio de descobrir neste fim-de-semana surreal, com excepção de alguns apontamentos:
Primeiro, devo dizer que, salvo alguns momentos e em locais pontuais, nunca senti que corresse algum tipo de perigo – excepção feita (e de que maneira!) aos perigos de saúde, pela tremenda insalubridade que encontrei – mas também tive sempre a sensação de que, se não estivesse com “autóctones”, não duraria nem meia hora por aqueles lados…!
Depois, digo que revivi, de forma mais pitoresca e ainda mais sensibilizante, uma experiência que tive em França, há alguns anos. Nessa ocasião, tentava regressar a Lisboa, sem um tostão no bolso e, parando em Lyon, onde a generalidade das pessoas não está particularmente sensibilizada para parar na berma da estrada e dar boleia a um cabeludo de mochila às costas, acabei por me safar atravessando quase todo o sul de França clandestino num comboio de mercadorias, com uma garrafa de Perrier cheia de Poirée (aguardente de pêra), que partilhei com um vagabundo de meia idade, de nome Claude. Esse amigo do peito, que o foi durante algumas horas, ofereceu-me tudo o que tinha para partilharmos, incluindo a pouca comida que tinha, sem que nenhum de nós pudesse supor quando ele tornaria a ter o que comer. Como uma boa história dramática acaba sempre num ponto forte, esse vagabundo acabou por ser detido pela polícia, à minha frente, sem que me dissessem para onde o levavam, e nunca mais soube absolutamente nada dele. O contexto é outro totalmente diferente, mas há paralelismo na intensidade que senti desta vez em Maxaquene – Maputo, que pode ter o simples facto de se estar vivo, de se ser um ser humano e de se ter de sobreviver. E a solidariedade que existe sem o ser, de facto. Tal como me dizia a minha querida amiga Francisca, numa destas noitadas de “filosofiação” de europeus sob o cruzeiro do sul – é muito frequente assistirmos a factos simples do quotidiano, em que as pessoas se auxiliam entre elas, sem se conhecerem, e sem sequer trocarem uma única palavra ou mesmo um olhar. A ocasião está ali, as pessoas entreajudam-se, cada um continua a sua vida, e o acontecimento não é revestido de aspecto de caridade, nem de solidariedade, nem de nada, a não ser pura sobrevivência e seguir em frente, sem tempo para parar nem para queixas, tal como na perfeita metáfora pictórica que é encontrarmos, a cada instante, os africanos por essas estradas fora, a caminharem quilómetros a fio, sob um sol escaldante, com cargas tremendas sobre a cabeça, sem sequer darem ares de se aperceberem de que isso pode ser duro, mas apenas porque é assim e tem de sê-lo.
Bem sei que há, actualmente, uma certa crise de valores (não me agrada o lugar comum, mas parece-me que não há forma de fugir a esta denominação) no mundo ocidental – leia-se na Europa – e que os nossos hábitos burgueses nos tornam estúpidos, no que a palavra pode conter de mais inerte e descompassado, e que qualquer cenário mais exótico nos parece “a verdadeira essência da vida”. E depois vem o yoga, o tai-chi, o budismo, a cozinha indiana, as bugigangas de Marrocos, as expedições sul americanas, as estatuetas africanas de pau preto, e outras tentativas de reavermos a nossa alma, que perdemos algures no caminho… Não vou ser arrogante ao ponto de fazer crer que sou imune a esta epidemia ocidental e que ando por estas (e outras) paragens sem qualquer compromisso com essa carência e falta de identidade de europeu genuíno (paradoxo paradigmático?). Mas, de facto, e sem outros aprofundamentos das causas dos meus sentimentos no episódio de que falo, no fim-de-semana em Maxaquene (e não só), a simplicidade e a realidade de estar vivo ganharam espessura…
Por último, e apenas para estimular a imaginação de quem tenha tido a paciência de ler estas divagações (“pessoais e intransmissíveis”), conto apenas que dei por mim, na manhã de domingo, num dos bairros mais impenetráveis de Maputo, numa cerimónia de exorcismo de maus espíritos (zivuri), dentro de uma palhota com uma data de mulheres aos gritos a baterem noutra para lhe expulsarem os demónios, enquanto se contorciam e reviravam os olhos, tudo isto enquanto, em círculo à minha volta, me chamavam de Šikwembu (Xikuembo), que quer dizer Jesus, e me pediam para lhes discursar – o que, finalmente, tive de fazer, para que me deixassem ir embora…
Acabaram por não me bater também, porque consegui convencê-las de que não era portador de zivuri, mas não deixou de ser uma das situações mais surreais em que já me encontrei…!
Será que ainda há mais, depois disto…?
De qualquer maneira, já tenho a indicação de que caí nas boas graças deles e que sou bem vindo a assistir a outras cerimónias, porque gostaram muito de mim. Mas… será prudente…?
*Caros amigos com acesso a enciclopédias antropológicas e etnográficas: podem enviar-me actualizações sobre a realidade antropófaga do sudeste africano…?

sexta-feira, maio 26, 2006

26 Maio 2006 - Dia 14

















A rectificação do embasamento está aquém do louvável, mas aceita-se como minimamente satisfatória. No contexto em causa, olhando para as obras que decorrem no bairro e para os edifícios existentes, está muito acima da moda!
Aceite o trabalho dos dois panos de embasamento, procede-se ao enchimento do espaço entre eles, com areia do terreno limpa de raízes e matéria vegetal.
Já os próprios blocos de cimento tinham sido preenchidos com esta areia, com excepção dos blocos dos nós (cunhais e entroncamentos), que tinham sido preenchidos com a argamassa de assentamento dos desperdícios, recuperada ainda fresca.
Este preenchimento visa reforçar os pontos mais sensíveis, enquanto que o preenchimento com areia, para além disso, também confere mais massa e, consequentemente, maior inércia térmica, ao embasamento.
Para além disso, quando começámos a trabalhar com os blocos e vi a forma como eles se desfazem, fiquei com alguns receios da resistência do embasamento, quer ao próprio peso das paredes de taipa, quer ao ensopamento na estação das chuvas, quer, sobretudo, à vibração e ao impacto de bater taipas em cima delas…
Como amante do jazz, deito-me ao improviso de novo, e esboço uma adaptação do previsto, que discuto depois com a Patrícia e que envio por net à Teresa. Falamos pelo skype (viva o séc. XXI) e avançamos com novo golpe de rins.
A caixa entre os panos de blocos será preenchida com areia humedecida e compactada até perto do topo, ficando os 10cm superiores preenchidos com betão ciclópico ao traço 1:3:5, sendo os 5, na realidade, apenas 3 de gravilha e os outros 2 de desperdícios dos blocos de betão, para reutilização). As faces do embasamento serão rebocadas, para maior homogeneidade e resistência à humidade. Em volta do muro será executada uma caixa de gravilha, para drenagem rápida e eficaz das águas das chuvas, minimizando as hipóteses de longo ensopamento dos blocos – que, aqui, quando é para chover é a doer!
Sobre este muro de embasamento será executada uma camada de regularização para assentamento de uma tela de impermeabilização. Esta tela de impermeabilização é “improvisada” com plásticos – o resultado é exactamente o mesmo, porque utilizamos plástico grosso, e os custos e a disponibilidade são incomparáveis. Há que manter presente que o futuro mais provável para estes jovens será as obras de improviso, dadas as circunstâncias, e mais vale prepará-los para isso, que é mais fácil partirem daí para a sofisticação do que o percurso contrário.
Sobre a tela, será executada uma barreira anti-térmita, com 8cm de altura, que, como indica o nome, pretende impedir a presença terrível dessas formigas nas paredes que, não só permitiria o seu acesso até às madeiras, como poderia contribuir para a desagregação das próprias paredes de terra. E aqui (em África) as térmitas são mesmo um problema sério! Essa barreira anti-térmita terá a largura constante e exacta de 40cm e terá negativos para a passagem das agulhas (peças horizontais que sustentam as duas tábuas de taipal) para encaixe do taipal, e será “armada” com rede de galinheiro, para lhe dar maior resistência e permitir distribuir as forças dinâmicas durante a execução da taipa.
Improviso em sol maior…!

quinta-feira, maio 25, 2006

25 Maio 2006 - Dia 13


































As responsáveis da APOIAR, Laura Gonçalves Pereira e Teresa Schmidt, passaram pela savana africana hoje de manhã, e ficaram muito contentes com o aspecto dos ensaios de taipa e adobes e, depois de umas palavras de encorajamento aos alunos do curso, rumaram a norte, prometendo passar por cá de novo no próximo dia 2.
Entretanto, os alunos acabaram o muro de embasamento, com duas fiadas de blocos de cimento e dois panos.
Fez-se um controlo de qualidade, verificou-se os níveis, com auxílio da mangueira, e fizemos uma “visita guiada” à volta da obra, para apontar, uma um, todos os erros de execução e os porquês de terem sucedido e de não poderem suceder.
Confesso que me incomodam um pouco, esses momentos, de iconografia anacrónica, em que tenho uma dúzia de africanos a seguirem-me enquanto eu, de chapéu de palha, aponto os erros com um pau do tipo bengala e digo “Isto não foi bem feito e tens de fazer antes assim”…
Mas os complexos de europeu diluem-se na óptima relação que consegui estabelecer, em apenas 3 semanas, com a maioria dos alunos.
Dois deles, em particular, percebem os meus reais motivos de interesse “turístico”, e convidam-me para um fim-de-semana em território proibido – os bairros dos subúrbios de Maputo. Será neste fim-de-semana e, pelo que contam os que dizem que ouviram dizer, é território de perigo real…! Depois de ter sido alvejado em Belfast, em 2000, por curiosidade imprudente em território hostil, não será um boato destes que me impedirá de conhecer a vida real destas pessoas. Não perderei esta oportunidade por nada!
Mas, para já, é no embasamento que concentro atenções.
A componente pedagógica desta obra legitima as irregularidades de desnivelamento das fiadas, mas também exige, ainda mais do que em situações de obra corrente, a sua correcção.
Com o coração partido pelo suor destes miúdos sob o sol do meio dia africano, mas com a convicção de pedagogo responsável e consequente, mando remover boa parte dos blocos e tornar a assentá-los em condições, com respeito por alinhamentos, níveis e verticalidades.
É que a tecnologia que por aqui se encontra resume-se a pouco mais do que o meu portátil onde tomo estas notas, pelo que tudo é feito de forma manual.
Com frequência os alunos que seguirem pelo ramo da construção encontrarão situações de enorme carência de recursos na execução de obras, pelo que os pareceu mais adequado e proveitoso para eles apoiar os trabalhos em execução manual e simples.
Portanto, tudo é feito de forma manual – e tudo quer dizer tudo, incluindo as intermináveis horas a misturar argamassa e betão.
E hoje o sol queima…!

quarta-feira, maio 24, 2006

24 Maio 2006 - Dia 12
















































































É com grande prazer, quer para mim quer para os alunos – que se renderam ansiosamente à taipa – que passamos a manhã em ensaios de taipa e adobes.
Passei pela carpintaria onde nos fizeram os moldes de adobe e o estojo de taipa, e pedi algumas aparas de madeira, para juntar à terra para algumas experiências. Penso que deve resultar bem, sobretudo nos adobes, e sendo um material que disponível neste local, poderá ser uma opção interessante.
Na semana passada tinha tido a ideia de usar fibras de coco nos adobes, e a Teresa achou boa ideia e tratou logo de arranjar alguma, para uns ensaios.
Então batemos mais três blocos de taipa e fizemos 4 ensaios de adobes.
Para cada bloco de taipa e para cada molde de ensaio de adobe (cada um com seis blocos) usámos diferentes misturas de terra.
Assim, incluindo os ensaios de ontem, realizámos, no total, blocos com os seguintes traços:

Taipa:

T1 (ontem)
50% terra (2baldes = 20l)
50% pó-de-pedra (2baldes = 20l)

T2 (ontem)
45% terra (2baldes = 20l)
45% pó-de-pedra (2baldes = 20l)
10% cal (4l)

T3 (ontem)
45% terra (2baldes = 20l)
45% pó-de-pedra (2baldes = 20l)
10% cimento (4l)

T4
43,5% terra (2baldes = 20l)
43,5% pó-de-pedra (2baldes = 20l)
13% serradura (6l)

T5
43,5% terra (2baldes = 20l)
21,75% pó-de-pedra (1balde = 10l)
21,75% gravilha (1balde = 10l)
13% serradura (6l)

T6
45% terra (2baldes = 20l)
22,5% pó-de-pedra (1balde = 10l)
22,5% gravilha (1balde = 10l)
10% cimento (4l)

(adobes)
A1
41,5% terra (2baldes = 20l)
41,5% pó-de-pedra (2baldes = 20l)
17% serradura (8l)

A2
62,25% terra (3baldes = 30l)
20,75% pó-de-pedra (1balde = 10l)
17% serradura (8l)

A3
60% terra (3baldes = 30l)
20% pó-de-pedra (1balde = 10l)
12% serradura (6l)
8% cal (4l)

A4
60% terra (3baldes = 30l)
20% pó-de-pedra (1balde = 10l)
12% serradura (6l)
8% cimento (4l)

Todos os ensaios de adobe foram feitos com o molde completo (6 blocos) e, com a terra sobrante, fez-se um sétimo bloco, adicionando um pouco de fibra de coco.
6 Blocos de adobe acabados (30x15x10cm) têm a mesma volumetria do que 1 bloco de taipa (30x30x30cm), que é de 0,027m3.
Na taipa, a terra não chegou para completar todo o molde.
Nos adobes sobrou e deu para fazer um sétimo bloco, com altura variável, conforme a percentagem de terra e pedra (com a água, quanto mais terra, mais incha a mistura).
Todos os provetes de taipa estão com excelente aspecto.
O insolente de serviço (há sempre pelo menos um em cada turma…) resolveu sentar-se num deles (o 2, estabilizado com cal) logo algumas horas depois de o termos feito e, apesar de andar a abanar-se lá em cima antes de eu dar por isso, o bloco ficou perfeitamente intacto.
Ainda não sei se terá a consistência necessária, mas o bloco T1 é o que mais me agrada, em conjunto com o T5.
Se estes blocos, que não têm cimento nem cal, apresentassem características boas, seria uma óptima novidade, porque permitiria uma economia grande de custos e recursos, e uma aplicação “mais pura” da técnica, apenas com a terra, sem qualquer alteração química!
A terra solta, mesmo com alguns testes de campo que lhe fiz, parece pouco coesiva e muito arenosa, com alguns silts, mas como pertence à família das laterites, tenho alguma esperança de que possa endurecer muito com a compactação e a oxidação posterior. Veremos…
Da parte da tarde começámos com a primeira fiada de blocos do embasamento.
Acabámos cerca de 75% dela, com ambos os panos em simultâneo.
O nivelamento da face superior viga foi desprezado, na altura em que os alunos a fizeram, e agora estão a aperceber-se, pela via empírica e dura, da razão pela qual eu os alertava tanto para terem cuidado com isso – é que agora têm de andar a cortar blocos para alinharem a face superior com as guias de nível. E como os blocos se desfazem se os tentarmos cortar ou partir, a solução que improvisámos foi raspá-los na base de cimento e desgastá-los até à medida – como se os limássemos. Foi um processo bem menos moroso e difícil do que eu pensava ao imaginar este improviso, o que ilustra bem a qualidade dos blocos…

terça-feira, maio 23, 2006

23 Maio 2006 - Dia 11

































































A manhã foi preenchida com a colocação dos blocos de canto, nos cunhais do embasamento, para definição de alinhamentos e para nivelamento das fiadas. Depois será só preencher o espaço entre os topos, alinhando pelo fio de referência que estenderemos ao longo de cada troço.
Todos estes procedimentos obrigam a uma ginástica enorme, quer de memória (sobretudo visual), quer de interpretação e improviso.
Nós somos, todos os três, arquitectos, e estamos a desempenhar, simultaneamente, os papéis de arquitecto, de engenheiro, de empreiteiro, de encarregado de obra, de gestor de obra, de contabilista, de pedreiro e de servente.
Não chega saber, por exemplo, que os tijolos têm de ser colocados de nível, é preciso saber como conseguir fazê-lo; não chega saber que o betão armado é betão com ferros lá dentro, é preciso saber qual é a melhor maneira de fazer o betão e de o misturar bem, que tem de se vibrar e como, que diâmetro têm os ferros de armadura, como colocá-los, como estribá-los, como amarrar esses estribos, como executar todas essas coisas na prática e com que ferramentas…
Eu tive algumas experiências de seguir obras, e trabalhei nalgumas como operário e servente (uma vezes para aprender, outras para sobreviver – como, por exemplo, quando estava a estudar no estrangeiro, inclusivamente quando fazia o mestrado em construção em terra), mas em alguns casos tenho de tentar lembrar-me de como costumo ver os operários (os bons) a fazer, em obras que sigo ou que observo, ou de cujo projecto sou autor. É uma infinidade de pormenores que surgem todos de repente, e em sequência imediata.
Só a questão de definir bem o material a comprar e todos os utensílios (desde as evidentes pás até ao dimensionamento das tábuas de cofragem e forma de as fixar). Um óptimo exercício.
E depois os improvisos… Hoje houve um problema com a bomba que extrai água do furo para abastecimento do bairro (não há rede pública, na savana africana, entenda-se…!) Como os bidões (que aqui chamam de tambores e por isso é que não os conseguiram comprar antes da nossa chegada) ainda não vieram, não tínhamos água, e então foi preciso ir pedir bidões plásticos de 20l às mulheres do bairro que se abastecem na fonte manual e ir dar a bomba e transportar água até encher dois carrinhos de mão e alguns baldes e regadores, para haver água para a argamassa de assentamento dos blocos do embasamento. A propósito, essa argamassa foi ao traço 1:3, e os blocos são de 40x20x10cm, ocos e de muito mau fabrico…
Vamos fazer um embasamento com 40cm de espessura (a mesma da das paredes de taipa) constituída por um pano exterior e outro interior, ambos com 10cm. Os 20cm entre os dois panos de blocos serão preenchidos com a areia das escavações, para os apoiar melhor e melhorar a estrutura da fundação e, sobretudo, para criar mais massa e, consequentemente, mais inércia térmica.
Finalmente, os moldes para ensaios de taipa estão prontos! Por isso, a parte da tarde é dedicada a uma breve explicação de como se faz a taipa, seguida de uma demonstração de preparação de terra e contacto com o estado hídrico ideal desta para bater taipa, que culmina na realização de 3 blocos de estudo, cada um com 30x30x30cm. Estes ensaios destinam-se a determinar qual a combinação mais adequada de terra, pedra e estabilizante para o nosso fim.
Assim, realizamos um bloco com 50% de terra e 50% de gravilha. Esta gravilha é cinzenta escura, parecendo-me de xisto, e muito partida, de maneira que por aqui se chama a isto (que nós chamamos de bago de arroz) de pó de pedra.
Um segundo bloco foi realizado com 45% de terra, 45% de “pó de pedra” e 10% de cal aérea em pó, e um terceiro com 45% de terra, 45% de “pó de pedra” e 10% de cimento.
A vontade seria de utilizar a terra sem adição de estabilizante, mas ela não me parece muito adequada a isso, porque é muito arenosa. Desde o primeiro minuto em que olhei para ela que achei que era “perfeita” para BTC (blocos de terra comprimida), mas teremos de a utilizar também em taipa e adobes, porque o objectivo central do curso não é a construção de uma casa, mas a vertente pedagógica e a formação, pelo que temos de abordar, pelo menos, as três técnicas “principais” – taipa, adobe, BTC. Estivemos a tentar introduzir o tabique (ou pau-a-pique), mas ainda não temos a certeza de o conseguir fazer…
Utilizando estabilização, seria nossa vontade preferir a cal, mas a questão é delicada, uma vez que a cal não só é mais difícil de encontrar aqui no sul do país, como é mais cara que o cimento quase 3 vezes – logo é anti-pedagógico recorrer a um material que os alunos dificilmente poderão utilizar no futuro, ao invés de sermos mais realistas e prepará-los para o que vai ser a realidade futura deles – a utilização de cimento. Também por isso aguardo, ansiosamente, a chegada da prensa de BTC que comprámos da África do Sul.
Hoje, quando descofrámos o primeiro bloco de taipa, a cara de espanto e de satisfação dos alunos assemelhava-se ao que se poderia dizer “descobriram a pólvora”. Ainda por cima, por causa da granulometria fina desta terra, os blocos ficaram com um aspecto impecável e muito homogéneo, e com uma cor lindíssima, que é o tom avermelhado da terra.
As reservas que alguns tinham, em relação a esta técnica, desapareceram de imediato, e alguns dizem já que vão construir ampliações da sua própria casa utilizando a taipa.
Foi um bom final de dia, e todos ficaram muito motivados para começarem a ver a casa surgir da terra.
Amanhã vamos fazer mais uns ensaios de taipa, com “receitas” diferentes, e também fazer alguns adobes.
Parte da motivação e da alegria dos alunos esta tarde, deve ser motivada pelo meu anúncio, no final da manhã, de que iriam ter direito a alimentação, a partir do dia 1 de Junho. A reacção foi de surpresa absoluta e de euforia total, começando todos a bater palmas e numa alegria desmedida.
Um dos pontos mais altos da minha estadia por cá, até ao momento…!

segunda-feira, maio 22, 2006

22 Maio 2006 - Dia 10



































Hoje apareceu-me um novo aluno, a pedir para frequentar o curso, porque só agora tinha sabido da existência dele.
Interpreto isso como verdadeiro interesse, e digo-lhe que sim, sobretudo depois de saber que tem experiência de construção em caniço e de palhotas.
A Patrícia Bruno dá a sua aula sobre Higiene e Segurança no Trabalho e sobre Organização de Estaleiro de Obra.
Conta-me que o que mais a impressionou foi a gargalhada e o espanto entre os alunos quando ela fala dos contentores de lixo na obra. Quem se passeie por Maputo percebe o motivo dos risos. A cidade é uma sucessão de lixeiras, porque o sistema de recolha de lixo é surreal – as pessoas despejam o lixo para um montão (uma autêntica lixeira a céu aberto em cada rua e esquina) e depois há umas pás mecânicas que carregam isso para atrelados de tractores ou camionetas de caixa aberta!
Toda esta situação, aliada aos buracos nas ruas e consequentes poças de água, e toda a insalubridade generalizada é que fazem com que, após uma situação estável, no tempo das colónias portuguesas, este país esteja de novo invadido pela malária (que está erradicada de países bem maiores como, por exemplo, a África do Sul, mesmo aqui ao lado).
Da parte da tarde falo-lhes sobre as questões do aparelho de alvenaria e da importância de o calcular bem, com a questão das juntas e as formas de preparar e aplicar a argamassa de assentamento e os procedimentos e cuidados a ter na execução de uma alvenaria – vamos realizar uma alvenaria de duas fiadas duplas de blocos de betão no embasamento, para elevar as paredes de taipa do nível do chão, por causa das fortes e súbitas chuvadas torrenciais que aqui caem, sobretudo no Verão (Novembro e Dezembro).
Entretanto defini pormenores com o Centro de Lazer, a propósito da alimentação dos alunos, e está tudo combinado para que entre em vigor a partir do próximo dia 1 de Junho.
Enquanto isso, a vida quotidiana no bairro continua a seduzir-me.

domingo, maio 21, 2006

21 Maio 2006 - fim-de-semana




















Hoje, em Maputo, a Teresa falou com as responsáveis da ONG APOIAR, e elas declararam-se totalmente a favor da atribuição de refeições aos alunos, sem hesitações, até ao final do curso.
Foi uma óptima notícia, que vou gostar de dar aos alunos!