sábado, maio 20, 2006

20 Maio 2006 - fim-de-semana

































Nova investida aos bastidores da operação taipa. Travessia, a partir do cais de Maputo, num barco apinhado, de características difíceis de crer, noutros contextos, até Catembe.
Ao final da tarde fiz questão de assistir a uma encenação de uma peça de que gosto muito e da qual já vi algumas encenações – Na Solidão Dos Campos de Algodão (de Bernard-Marie Koltès). Mas esta encenação, do grupo galagalazul, foi muito fraca…
Depois foi a primeira incursão no sub mundo bas-profond de Maputo. Zona da baixa, noite avançada, ruas de má fama e boa inspiração (disto não mostro fotos...!)

sexta-feira, maio 19, 2006

19 Maio 2006 - Dia 09










Como é o último dia em que a Teresa está cá (regressará em Julho, para o final do curso), resolvemos fazer uma manhã inteira dedicada à revisão de todos os temas que já foram abordados. Constato, com satisfação, que temas como a triangulação e a interpretação de desenho técnico ficaram minimamente entendidos. Em contrapartida, o cálculo de áreas e volumes não está muito sólido, e, por ser de carácter mais científico, é notório o desinteresse de alguns…
Após todas as respostas a dúvidas e uma breve revisão da matéria dada, a Patrícia dá uma breve introdução da aula de segunda-feira, em que falará de Segurança e Higiene no Trabalho, e de Organização de Estaleiro de obra.
Correndo o risco de os habituarmos a maus hábitos, damos a tarde de borla, para podermos aproveitar o único dia em que estaremos os três cá para definirmos uma série de coisas para o futuro.
Fim-de-semana à porta. Maputo de novo.

quinta-feira, maio 18, 2006

18 Maio 2006 - Dia 08
















Para coroar o espírito de equipa, começo o dia por lhes oferecer um par de luvas a cada um, que a Teresa tinha comprado na sua ida a Maputo, ontem, para adquirir material e ferramentas em falta e para ir ao aeroporto receber a Patrícia, que chegou de Lisboa para participar neste projecto durante os próximos dois meses.
A logística para fazer funcionar este curso está quase inteiramente a nosso cargo, e temos mesmo de nos desdobrar para conseguirmos arranjar todo o material, para que os operários da carpintaria nos construam os moldes para os adobes e os taipais, para que chegue o cimento e a areia, etc, etc, etc. Tudo isto enquanto damos as aulas, afinamos o projecto, fazemos as medições para compra de material e preparamos o curso diariamente, adaptado à realidade que aqui encontrámos e às circunstâncias do dia a dia.
De facto, se não estivéssemos cá sempre dois, isto seria mesmo muito complicado de fazer…!
Os alunos deliram com as luvas e, após escreverem o nome nelas, posam vaidosos para a foto de grupo.
Em seguida damos início ao que, provavelmente, será o dia mais duro de toda a obra – fazer a viga de fundação em betão armado. Claro que nem pensar em betoneira ou qualquer outra maquinaria. Tudo é feito à mão, e a electricidade nem existe na obra. Daí que preparar cerca de 13 metros cúbicos de betão, com pás e baldes, tendo a necessidade de acabar tudo nesse dia (para que a presa do betão se dê homogeneamente e a viga fique mais sólida) seja obra! O betão é transportado em carrinhos de mão e despejado, e é “vibrado” espetando-lhe a pá.
Alguns desanimam um pouco, mas mantêm presente que este será o dia mais duro de todos e que, depois de ultrapassado, ficarão autores de uma bela obra – que já se gaba, aqui pelo bairro, entre os pedreiros (chamemos-lhes isso, apesar de ser um enorme elogio…) de outras obras aqui em curso.
Conseguimos acabar…!
Mas o dia, para mim, ficou marcado porque descobri que a esmagadora maioria dos alunos só come uma vez por dia, ao jantar – e, muitas vezes, esse jantar é farinha de mandioca…
Descobri-o porque os alunos estavam com muito fraco rendimento no trabalho e, com a dureza do dia, tinha muitos agarrados à barriga a dizerem que tinham fome e que não tinham forças. Aí propus que terminássemos a parte da manhã mais cedo para irem almoçar e que regressassem mais cedo para a sessão da tarde, mas disseram que preferiam continuar sem parar, para saírem para casa mais cedo, ao final do dia, porque não valia a pena pararem para almoçar, porque nessa pausas costumam apenas ficar por ali, porque muitos não têm nada em casa para comer…
Depois de me sentir desconfortável ao almoço, a comer o frango do costume que por cá se prepara e que, neste dia, achei uma requintada delícia, senti-me ainda pior ao estar a exigir a “putos” famintos e sem moral que trabalhassem bem, porque tínhamos de acabar ainda hoje…!
Achei que a situação era inadmissível, e tratei logo de ver o que se podia fazer.
A Francisca – uma voluntária que está cá a trabalhar com as muitas crianças do bairro – disse-me que os alunos da escola profissional de cá podem comer no Centro de Lazer por 350 contos (350.000 meticais – equivalente a pouco mais de 10€) por mês cada, com direito a “mata-bicho” (pequeno almoço), almoço e jantar todos os dias de semana.
Falei com a Teresa Beirão, que imediatamente concordou comigo, e decidimos expor o assunto à ONG APOIAR (que promove e financia este curso) no sentido de que alguma verba destinada ao curso seja canalizada para a alimentação dos alunos. Ao fim e ao cabo, estamos também a utilizar a mão-de-obra deles para uma obra que ficará para usufruto do bairro.
E estamos a falar de doze alunos, portanto cerca de 125€ por mês, para alimentar todos eles, com três refeições por dia! Não me parece sequer discutível. Mas vamos ver o que dizem…

quarta-feira, maio 17, 2006

17 Maio 2006 - Dia 07






























































O Carlitos chegou atrasado e chamei a atenção a todos para o facto de toda a equipa estar à espera, sem produzir, enquanto o encarregado não chega, pelo que este tem forçosamente de chegar a horas!
Em seguida tomou conta das operações, e passou-se mais ou menos o que eu esperava, com excepção para a surpresa, pela positiva, que foi a postura responsável dele, contrária ao que a indisciplina das aulas deixaria prever. Prova que algumas pessoas precisam apenas de um estímulo e que se confie nelas, para se motivarem e fazerem coisas positivas.
Mas foi curioso verificar que as minhas indicações e recomendações de que ele seria o responsável pelo andamento da obra, pelo material e seu estado, utilização, limpeza e armazenamento, pela qualidade dos trabalhos e equipas e pelo desempenho geral criaram uma noção inicial de que deveria ser ele a fazer tudo.
Só após algum tempo é que ele se convenceu de que não podia fazer nada do que os outros fariam, para poder estar sempre a coordenar e controlar os trabalhos e a qualidade.
Começo a interessar-me cada vez mais pela faceta humana deste projecto.
Cada vez mais a terra e a taipa se tornam secundárias e me interesso mais em pensar em como é que estes “miúdos” podem ficar preparados para apresentarem trabalho de qualidade, em como é que podem apaixonar-se por isto e desempenhar a sua função com qualidade e com condições dignas, e como é que podem aspirar e chegar a ter um emprego nesta área e condições de vida um pouco mais decentes. Batalho muito em convencê-los de que não lhes chega saber o que lhes ensino, têm de saber fazê-lo e bem, e trabalharem como equipa. Insisto muito neste ponto do espírito de equipa e da organização.
Aplicamos um betão sobre o enrocamento que tínhamos colocado no fundo das valas de fundação. Este betão, ao traço 1:5:2, é bastante líquido, para que escorra por entre os espaços do enrocamento e sirva para lhe dar mais união e apenas para regularizar o topo, para aí montarmos os ferros de armadura, o que fazemos no final do dia, após amarrar os estribos.
O trabalho é relativamente bom (se tivermos em conta que são miúdos, quase todos sem experiência ou com muito pouca, e a aprenderem), e a coordenação do Carlitos é motivo para irmos até à sala, no final do dia, para comentarmos o que se passou.
Algumas críticas por alguns não quererem acatar ordens de “um puto”, mas muitos elogios à forma como ele conduziu os trabalhos.
No final, eu subscrevo os elogios, e falo-lhes da necessidade e do proveito de se criar o tal espírito de equipa. Refiro-lhes que, se trabalharem bem serão bons, mas se trabalharem bem em equipa, serão os melhores. Mais umas palavrinhas aqui e ali, alguma inspiração do momento, e a aula termina com grande moral, com todos os alunos, espontaneamente, a baterem palmas e a sentirem-se muito motivados e contentes por pertencerem a este grupo e estarem envolvidos neste trabalho.
Mesmo que não tivesse vivido todos os momentos excelentes que já por cá vivi, o ambiente que senti naqueles 15 minuto de final de aula já justificariam a minha vinda cá! Ganhei o dia!

terça-feira, maio 16, 2006

16 Maio 2006















Breve abordagem ao cimento, à areia e à gravilha, condições de utilização, forma de preparação, traço e dosagens.
Em seguida foi a árdua epopeia dos volumes.
Explicar o óbvio pode ser bem menos óbvio do que eu pensava.
Ao tentar explicar como se obtém a área de um triângulo rectângulo, para depois se obter o volume de um qualquer polígono, constato, já em estado avançado da aula, que muitos deles nem sequer conhecem o conceito de ângulo…!
Fazemos vários exercícios de cálculo de volumes e calculamos o volume das fundações do nosso edifício, ao que aplicamos o traço que vamos utilizar (1:4:4) para calcularmos o volume total de cimento, areia e gravilha de que precisamos.
Para criar uma maior noção de responsabilidade e para fazer com que aqueles que se limitam a fazer o que lhes mandam se apercebam de todas as facetas e pormenores de uma obra, criei uma escala entre os alunos para que cada um deles seja, por um dia, encarregado da obra.
Para não haver qualquer subjectividade, a escala começou pelo aluno que está sentado mais perto da porta e segue rodando um a um. O primeiro é o Carlitos, que terá uma tarefa difícil, já amanhã, porque não só é o primeiro como é o mais novo – tem apenas 16 anos. Mas é um rapaz vivaço e, apesar de ser um pouco indisciplinado (também fruto da idade) confio nas capacidades dele, porque é um dos mais espertos do grupo.






segunda-feira, maio 15, 2006

15 Maio 2006











































A manhã toda ocupada com a revisão de tudo o que foi ensinado até agora.
Constata-se, de facto, que a ausência de questões ou dúvidas na sala não tem rigorosamente nada a ver com ausência de compreensão, mas apenas com o verdadeiro significado da palavra “sim”.
Quando não percebem algo, os alunos continuam a dizer que “sim”.
Mais arrepiante torna-se o novo contexto em que as afirmações de conteúdo negativo são validadas. Exemplo:
- Percebeste tudo?
- Sim.
- Não tens dúvidas?
- Sim.
Ora, qualquer lusófono mais desprevenido pensaria uma de três coisas: não percebeu a pergunta / está a gozar comigo / é maluquinho…
Mas não! Trata-se da validação da minha afirmação. Ou seja, ao perguntar “Não tens dúvidas?” o aluno responde “Sim” para validar a minha frase “NÃO tens dúvidas”. Querendo, portanto, através de um “sim”, dizer, de facto, “não” – algo do tipo: SIM, é verdade que NÃO tenho dúvidas.
Parece complicado? Experimentem ensinar métodos de cálculo de volumes, com conversão de unidades e expoentes da unidade a alunos que quase só falam Xangana e Ronga, para verem o que é realmente difícil…
È o que farei amanhã…
Pela tarde criámos uma eira, para termos uma plataforma de trabalho para fazer argamassa e betão, e para misturar a terra para a taipa. Fizemos uma plataforma em argamassa de cimento e areia (1:5) com cerca de 2m de diâmetro, entre o local onde temos os montes de terra, pedra, gravilha e areia e a área de implantação do edifício a construir.
Em seguida fizemos os estribos para a armadura da viga de fundação. O encarregado da serralharia nunca mais executa o trabalho, e cada vez que lhe peço para se despachar, diz-me que precisa de mais um disco de corte, que cada dia tem um preço diferente (sempre para mais, claro) e de dinheiro para o transporte para o ir comprar e mais isto, e mais aquilo… Decidimos, então, que até é vantajoso, pedagogicamente, serem os próprios alunos a dobrarem os varões para fazerem os estribos.
Vamos utilizar uma armadura muito suave, de apenas dois varões de 8mm, estribados com varão de 6mm. A viga terá uma secção de 20x50cm, uma vez que as paredes terão 40cm de largura e, consequentemente, o muro de embasamento será de igual espessura.